Opinião – Os pecados da Kikas e as patroas santas

A detenção da D. Maria António tratada como “Kikas”, Rainha do Alterne faz manchete do Correio da Manhã de domingo. A empresária de 62 anos gere uma das mais icónicas casas de diversão, situada no Vale de Santarém.
A D. Maria António emprega dezenas de mulheres adultas que de livre e espontânea vontade aceitaram uma relação contratual, seja escrita ou verbal, com a patroa. É assim há 20 anos e com conhecimento de milhares de pessoas.
Entre os clientes da Kikas estão magistrados, órgãos de polícia criminal, empresários, políticos, jornalistas, jogadores de futebol, pedreiros, canalizadores. Há serviços para todas as bolsas e a maioria dos clientes só procura aquilo que não tem em casa.
A empresária só não paga os devidos impostos na totalidade porque a sua atividade para lá do bar, onde podem comer uma tosta e beber um chá, não tem enquadramento legal e os clientes raramente pedem fatura com NIF.
Conheço a D. Maria Conceição António, que entrevistei duas vezes. Recordo uma mulher de luta, trabalhadora e empenhada.
Uma Senhora simpática, educada e com uma enorme sensibilidade social. Nunca diz não a um pedido para uma causa justa seja para um tratamento de um cancro, ou a compra de uma cadeira de rodas ou cama articulada.
E alguns de vós, estarão a pensar:
-“Pudera com dinheiro fácil à conta da exploração das mulheres”.
A maioria das colaboradoras da Kikas tem rendimentos que nunca iria auferir a trabalhar num restaurante, numa loja ou numa fábrica.
Estas mulheres optam por esta vida para terem uma vida mais folgada. Quantas e quantos que as criticam cedem o corpo a troco de uma promoção, de um carro, de uma viagem ou artigos de luxo oferecidas pelo chefe.
Sem ser advogado do diabo, questiono se não será maior exploração o casal que paga 500 euros a uma imigrante e dá alojamento à empregada doméstica sujeitando-a a escravatura sexual com conivência da esposa que acha tudo isto normal. Algumas destas patroas vão à igreja todas as semanas e foram as primeiras a atacar a Kikas.
A empresária nunca escondeu o seu modo de vida, deu entrevistas, publicitou o negócio e chegou a alertar clientes para a necessidade de controlarem os seus gastos e não descurarem a sua família.
Nas redes sociais multiplicam-se comentários para todos os gostos. Julgamentos e censura social de quem não sabe da missa nem a metade.
Permitam que faça uma declaração de interesses para dizer que nunca entrei na Kikas como cliente (acompanhei operações policiais como jornalista). Sou um raro homem da minha geração que nunca pagou para ter sexo por uma questão de objeção de consciência que não me permite aceitar nada a troco de poder seja ele social, político ou económico. Isso não faz de mim um santo nem um ser melhor que os clientes mais frequentes do Bar La Siesta.
Opinião – Nelson Lopes – Jornalista desde 1990. Gestor de Comunicação